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O Rabisco e o silêncio das linhas

O Rabisco e o silêncio das linhas

Há algo de profundamente humano em um rabisco. No canto de uma folha amassada, ele surge tímido, uma linha incerta, um traço que hesita entre o acaso e a intenção. À primeira vista, parece apenas o resultado de um momento distraído, um gesto qualquer de quem não tinha nada a dizer. Mas quem garante que aquele rabisco, seja o início de uma obra-prima?


O rabisco é o primeiro sopro da criação. É o esboço de um quadro que ainda não sabe que é uma obra de arte, o rascunho silencioso de um romance que o mundo talvez nunca leia, mas que a alma insiste em escrever. Ele é a confissão do artista antes que o artista tenha coragem de se revelar.


Há rabiscos que nascem do tédio, outros da urgência. Alguns são apenas a mão obedecendo ao coração, sem forma, sem propósito, apenas uma tentativa de aliviar o peso que não cabe no coração. O traço vira desabafo, o papel se transforma em confidente.


E quando esse traço vem de uma criança? O rabisco infantil é mapa de um universo secreto, dragões que dormem entre linhas, castelos feitos de manchas, nuvens que riem sem precisar de boca. Um pequeno caos cheio de significados. Mas será que sabemos olhar para isso com atenção? Quantas vezes passamos por esses gestos miúdos, por esses sinais de imaginação e emoção, e realmente os vemos?


O papel, esse território silencioso, guarda mais do que traços, guarda segredos. E talvez o erro esteja em nós, que já esquecemos a linguagem dos riscos tortos. A pressa nos ensurdeceu para os murmúrios do lápis, para o modo como o traço revela o que não ousamos dizer.


Talvez devêssemos reaprender a escutar o rabisco. Ele fala e fala muito. Sobre quem somos, sobre o que sentimos, sobre o que amamos e perdemos. Porque, no fim, nem todo silêncio é vazio.


Às vezes, ele apenas se disfarça de linha.


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O Rabisco e o silêncio das linhas

 
 
 

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